terça-feira, 22 de novembro de 2011

Uma perspectiva geométrica sobre a natureza inconcebível do espaço a partir de uma meditação sobre a benevolência

Há uma meditação sobre metta (pali) / maitri (sânscrito), ou seja sobre o desejo benevolente de bem-estar estendido a todos os seres presentes e futuros em todos os lugares do universo. As escrituras sugerem que o praticante irradie (imaginando) benevolência nas 10 direcções (4 cardeais, 4 intermédias, nadir e zénite) ou então em todas as direcções.

Consideremos a segunda hipótese, e façamo-lo a partir do rigor da geometria. Imaginando que o adepto ocupa um ponto do espaço convencional, quantas direcções são essas “todas” à sua volta ? São inquantifícáveis, são infinitas. Quanto tempo poderíamos esperar necessitar para irradiar benevolência em todas as direcções possíveis, por muito rápida ou eficiente que fosse essa radiação? Uma eternidade, um tempo sem fim.

Visto de outra forma, quanto tempo poderíamos esperar necessitar para irradiar benevolência de um único ponto para todos os pontos imediatamente adjacentes, por muito eficiente que fosse essa radiação ? Uma eternidade, um tempo sem fim.

Imaginando que tínhamos gasto eficientemente uma eternidade a irradiar metta para todos as direcções possíveis, o que manifestamente seria impossível, poderíamos desejar repetir o processo, mas a partir de todos os outros pontos do universo. Para esta nova série de irradiações, quanto tempo poderíamos esperar demorar, por muito eficientes que fôssemos? Uma eternidade, um tempo sem fim.

Se quiséssemos repetir o processo a partir de todos os pontos do espaço em todas as direcções, ou mesmo para todos os pontos adjacentes ao novo ponto em que estamos, poderíamos dizer, de uma forma não muito rigorosa matematicamente, que teríamos de gastar uma infinidade de eternidades, uma infinidade de infinitos, para o fazer.

Sem contar que poderíamos desejar irradiar metta de formas não-geométricas, por exemplo, primeiro irradiávamos metta a todos os bichos de seis patas, depois a todos os que tinham barbatanas, depois todos os que eram unicelulares, etc. Quanto tempo poderíamos esperar gastar em cada um destes processos ? Aqui a resposta não é tão certa, porque se tratam de seres fisicamente existentes e não de direcções abstractas. No entanto, penso que será seguro afirmar que precisaríamos de uma eternidade para fazer cada um desses processos, principalmente se considerássemos um universo infinitamente extenso.

Que nome poderemos dar a esta soma incalculável, infinita, de infinitos? Podemos chamar-lhe simplesmente um único infinito, e teremos usado uma designação correcta.

Em todas as situações, considere sempre que está num universo inconcebível (mas concebê-lo é o melhor que podemos fazer), e deseje aos que também lá estão boa sorte e bem-estar !

domingo, 20 de novembro de 2011

Meditação

Faço aqui um apanhado das principais técnicas meditativas, no contexto budista, que conheço e pratico. Antes de mais penso que a meditação deve ser sempre direccionada para uma experiência mais aprofundada da realidade tal como ela é, e para a vivência plena do momento presente. Em seguida, é importante frisar que, começando pela meditação formal (bastam 5 minutos diários, a altura mais recomendada é ao acordar ou então antes de adormecer), em que nos sentamos, com as costas bem erectas e com as pernas cruzadas (e eu recomendo o mais possível de olhos abertos), passamos à meditação informal, em que meditamos durante todo o dia e até involuntariamente, tal é a força do hábito. É necessário frisar que é bom termos uma prática regular de meditação todos os dias (5 minutos todos os dias são melhores que duas horas todos os sábados), e que o nosso objectivo é transportar as boas características da nossa prática formal para o quotidiano de todos os momentos. É importante também uma perspectiva jovial, como se cada momento fosse novo e cheio de impacto e nós não conseguíssemos percebê-lo na totalidade do seu impacto. É importante perceber que, se praticarmos várias técnicas ao mesmo tempo, surgirão conflitos entre as várias técnicas. No entanto, por experiência própria, elas acabam por se encaixar todas numa única prática. Vamos então às técnicas que conheço, agrupadas por títulos. Esta tipologia pode diferir de outras, porque há muitas técnicas diferentes, e eu também não sou nenhum mestre, nem sou detentor da única verdade última:

1. samatha (acalmamento / relaxamento)
  • Entre o fim de um pensamento e o começo de outro, há um intervalo. Tente alargá-lo, e repousar na tranquilidade da ausência de pensamentos.
  • Tente respirar mais lentamente.
  • Relaxar a zona entre os olhos, pela simples razão de normalmente quando nos irritamos franzimos esta zona.
  • Não se identifique com os pensamentos, nem lhes dê "trela". Se surgirem pensamentos, deve, calmamente, continuar com a sua prática.
  • Pode, com o tempo, verificar que há alguma coisa que o impede de se distrair e o faz voltar a concentrar-se. Recorra a esse truque quando se sentir muito distraído(a).
  • Se surgirem pensamentos, pode também misturá-los com os barulhos ou outras sensações do mundo natural à sua volta, como o som do oceano ou da chuva, dos pássaros, ou até com o som do trânsito, embora esta última seja mais difícil.
2. vipassanā (atenção)
  • Com a mente atenta e clara, o praticante deve estar atento à realidade tal como ela é, sabendo claramente se está num determinado estado ou noutro. O Buda sugere na Satipatthana Sutta que o praticante esteja atento a quatro grandes temas (corpo, sensações, mente, e conceitos abstractos), que incluem diversos sub-temas. A atenção à respiração (anapanasati) é particularmente popular e pode servir de base para a atenção a outros fenómenos. O Buda disse que a atenção é a base da realização. Pessoalmente, penso que podemos equacionar o vipassanā com o conhecimento científico e a capacidade discriminante da mente.
3. meditações tibetanas

Pessoalmente, considero estas meditações bastante mais alucinatórias do que as anteriores, no sentido de não procurarem tanto a realidade tal como ela é, desprovida de qualidades mentais, mas sim uma abstracção. Por exemplo, na prática do tonglen, é óbvio que na realidade tal como ela é, não há coisas boas nem más, o que impossibilitaria a sua prática. Isto não quer dizer que o seu objectivo, ou o objectivo da prática do budismo tibetano, não seja alcançar a realidade tal como é.
  • tonglen: A cada inspiração dizemos: que todo o mal fique comigo. A cada expiração dizemos: que todo o bem vá para vocês. Ao inspirarmos, podemos imaginar que estamos a respirar uma nuvem negra. Esta nuvem é purificada pelo bem que existe em nós, e qundo expiramos, expiramos bem.
  • phowa: É a união de uma consciência com uma consciência divina. Os tibetanos costumam fazê-la com uma imagem de uma divindade ou com uma bola de luz imaginada. Eu pessoalmente tendo mais a fazê-lo num contexto de advaita vedanta, uma escola hindu: como tudo é divino, o que faço é misturar tudo o que vejo e chamá-lo divino. Depois fico com uma espécie de "master phowa", ou seja, aquilo que reúne as boas características de todos os objectos com que pratiquei phowa, e tenho tendência a usar mais este.
4. recitação de mantras
  • A mantra é uma palavra que repetimos muitas vezes. A minha mantra é "Que todos os seres sejam felizes", da Metta Sutta, e também "A forma é o mesmo que o vazio", da Prajñāpāramitā Hṛdaya Sutra.
Ficou por explicar, por falta de informação e porque também não são práticas minhas: Os jhanas e as oito libertações, o dzogchen, e muitas mais. Ver por exemplo as pebble meditations de Thich Nhat Hanh e as tradições meditativas não-budistas.