quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Reencarnação e a mente que se observa a si própria, vistas de uma perspectiva corriqueira

Há coisas que os budistas acreditam que eu nunca acreditei. Até as considero anti-budistas. Mas como em tudo, há que tentar aceitar tudo por aquilo que é, separar o trigo do joio, e criar a nossa própria narrativa, a nossa própria verdade, a que nos interessa (ou escrevermos uma narrativa “vazia”), para depois a abandonarmos – porque tudo tem um fim, ou não.

Duas dessas crenças são a crença na reencarnação e a crença na natureza da mente (tib. rigpa) ou na natureza do buda (skt: tathāgatagarbha). A crença na reencarnação é a crença de que, para além desta vida, há outras vidas. A crença na natureza do buda é a de que há um potencial de iluminação em todos os seres. Os tibetanos também consideram que há uma natureza da mente, o rigpa. Parece que estes ensinamentos terão origem na escola Vijñānavāda, que influenciou praticamente toda a tradição Mahāyāna subsequente. A escola Vijñānavāda diz que há uma coisa que é inerente ao mundo, que é a mente, e que o propósito mais elevado da mente é observar-se a si própria.

A razão porque considero estas doutrinas, nas suas enunciações mais correntes, anti-budistas, é porque parecem violar um conceito fundamental do budismo: anattā ou a doutrina da não essência ou da não alma. Os seres e as coisas são apenas o que são, resultados de infinitas causas, e não há essências suplementares.

Vamos então a uma possível, de entre infinitas outras, aplicações destas doutrinas talvez “heréticas” á realidade do dia-a-dia:

Sempre que conversamos com alguém ou entramos em qualquer relação com algum ser ou algum objecto, uma parte de nós está a reencarnar nesse objecto/ser/pessoa e vice versa. Nós somos então uma série enorme, infinita, de reencarnações que ocorrem nesta mesma vida em que nos encontramos.

Para a mente que se observa a si própria, seguimos a mesma estratégia: Nesta vida mesmo, cada vez que entramos numa conversa ou observamos um ser sensível, há uma mente que observa uma mente.

E agora vou separar o trigo do joio: não há essência de uma coisa para além das causas que a provocaram. Mas por trás destas causas há outras causas anteriores. Portanto estas causas são infinitas. Portanto também a natureza da mente ou a natureza de buda não são um objecto sólido e definido, mas antes referências recorrentes a infinitos outros objectos. A essência de qualquer coisa não é uma constante mais sim um contínuo, que se “afunda” cada vez mais no oceano sem fim da realidade, sem nunca chegar ao fim, ligando-se a cada vez mais definições alternativas de si própria.

À primeira vista (e as primeiras vistas são tão importantes como as últimas), a mente não é inerente à realidade. Há muitas coisas no mundo que não têm mente. No entanto, é perfeitamente válido dizer-se que a experiência da realidade só pode ocorrer numa mente, e que de facto, é por eu ter uma mente que posso experimentar a realidade e escrever este blog.

Quanto à natureza do buda (tathāgatagarbha), eu não a vejo como uma essência estável e definida que resida nos seres ou nos objectos. Eu vejo-a, em relação a mim (o que quer que “mim” seja), que todas as coisas podem servir para o meu esclarecimento, e podem fazê-lo de infinitas maneiras diferentes. Mas para isso acontecer também pode ser necessário a minha mente colaborar.

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